Dia 16 de outubro o Grupo 3 de Teatro (já citado aqui no blog sessão trailer anteriormente) estreou em São Paulo a terceira peça de seu repertório. O espetáculo da vez se chama “O Amor e Outros Estranhos Rumores” *, dirigido por Yara Novaes. Resultado da junção e adaptação de três contos -- “Memórias do Contabilista Pedro Inácio”, “Bárbara” e “Três Nomes para Godofredo” -- do escritor e jornalista mineiro Murilo Rubião (1916-1991).
O “três” deve ser o número da sorte desse grupo, pois a soma desses resultou em um espetáculo ao mesmo tempo dramático e cômico, real e fantástico, enigmático e revelador. O qual merece uma nota diferente de, e maior que três. A peça é contraditória e, apesar disso, boa, como o próprio amor, que é justamente o tema principal que liga os três contos de Rubião nessa montagem teatral.
Destaque para a belíssima interpretação de Débora Falabella, que se desdobra em diferentes papéis – Pedro Inácio, Bárbara e as três mulheres de Godofredo (Geralda, Joana e Isabel) -- e consegue ir do trágico ao cômico de maneira eficaz. A peça é marcada por uma atmosfera predominantemente fantástica, mas que ao mesmo tempo se funde com o real ao passo em que consegue fazer críticas às diferentes situações amorosas às quais os seres humanos estão sujeitos. Essa fusão entre real e irreal é, aliás, característica essencial da obra de Murilo Rubião. Segundo o autor “no fantástico moderno há uma necessidade do escritor impor a sua irrealidade como se fosse realidade, a ponto do leitor, terminado a leitura, ficar numa certa dúvida se a realidade em que vive não será falsa, e se a realidade verdadeira não será aquela da ficção.”
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Débora Falabella se veste de homem para interpretar o personagem Pedro Inácio, do conto “Memórias do Contabilista Pedro Inácio”, de Murilo Rubião. (Foto de Rodrigo Hipolitho) |
A peça é repleta de situações kafkianas – ou seja, que não fazem o menor sentido apesar dos argumentos que as seguem -- e já se inicia com uma. A primeira cena apresenta, em um terminal, três personagens (Pedro Inácio, Godofredo e o marido de Bárbara) que possuem passagens em branco, sem destino. Entra em cena também um personagem enigmático mascarado de coelho, a quem todos fazem perguntas, mas nunca recebem respostas.
A história de cada um dos três se caracteriza igualmente por esta falta de saída. Pedro Inácio – do conto “O contabilista Pedro Inácio” -- é um homem que se esforça em fazer contas de quanto lhe custou, em dinheiro mesmo, cada amante sua. Nessas somas malucas ele inclui presentes, jantares, chicletes e até os remédios tomados por ele durante suas decepções amorosas. Dedica a vida para suas contas e pesquisas envolvendo seus antepassados, para buscar uma explicação a essa fixação.
No conto “Bárbara”, a personagem vive insatisfeita, fazendo ao seu marido pedidos os mais inusitados e difíceis de cumprir (desejos como a jabuticaba no galho mais alto da árvore e até o oceano!). O marido se torna escravo dos desejos de Bárbara e a assiste se fartando, principalmente de comida, até ela se tornar uma bola gigante e quase explodir. No teatro a roupa da personagem realmente infla, com uma bomba de ar. Cena muito engraçada!
“Três nomes para Godofredo” é contada de forma anacrônica e a cada parte da história somos convidados a repensá-la e surpreendidos pela falta de sentido junto ao próprio protagonista.
A narração se inicia com Godofredo em um restaurante dizendo que por anos frequentava o lugar e durante todo esse tempo uma mesma mulher desconhecida se sentava à sua mesa. A mulher, porém, revela ser sua segunda esposa (Geralda), já que ele havia assassinado a primeira. Fazendo aumentar ainda mais a inquietude de “Godofredo”, ela o chama de “João de Deus”.
“João de Deus” mata Geralda e quando volta ao restaurante encontra Joana, que diz ser sua primeira esposa, pois ele acabara de assassinar a segunda. Joana se refere a ele como “Robério”. Novamente ele comete um assassinato, e então, logo quando troca de cômodo, encontra Isabel, sua noiva.
O protagonista diz a si mesmo “Mas como é possível existir uma verdade contrária à evidência dos fatos? (...) Desejava pensar nos dias futuros e me veio o pressentimento de que a vida se repetirá incessante, sem possibilidade de fuga, silêncio e solidão”.
Em alguns momentos podemos observar uma espécie de quebra da quarta parede. Quando Pedro Inácio está palestrando, por exemplo, e pergunta aos espectadores se eles estão anotando tudo, pois tais informações devem ser mantidas na memória. Em um determinado momento o personagem chega a pedir aplausos pelas imagens que mostra no telão. A outra cena em que há quebra da quarta parede é quando a personagem mimada Bárbara faz ao marido mais um de seus pedidos, dizendo “Ai, bate nele, aquele homem é muito feio, bate nele!” ao mesmo tempo em que aponta para alguém da platéia.
No início os personagens se questionam e ao fim um deles “responde”. O personagem mascarado retira seu disfarce, dizendo que “o caminho pouco importa quando não se sabe aonde quer chegar”, e revela que na verdade se trata de apenas mais um ser humano desamparado como todos os outros.
Para se identificar, para refletir e para até mesmo rir da condição humana. Por tudo isso é que essa peça vale a pena ser vista.
Vitória Jabur
Obs.: Vale lembrar que no andar de cima do teatro, onde está localizado o auditório, há montada uma instalação sobre Murilo Rubião. Paredes inclinadas, bolsos e retratos ilusórios nas paredes carregam frases de Rubião, ou sobre ele, e uma lista de suas obras.
Onde:
Teatro Tuca
R. Monte Alegre, 1.024 - Perdizes - Oeste.
Telefone: 2626-0938.
Quando:
sexta e sábado: 21h30.
domingo: 19h.
Até 28/11.
Quanto:
R$ 30 (estudantes, aposentados e maiores de 60 anos: R$ 15).